* Prof. Dr. Edson Tomaz de Aquino
O início do século XXI é marcado por acontecimentos nos planos internacional e doméstico que favorecem a dimensão do Atlântico Sul nas políticas externa e de defesa do Brasil.
A estagnação econômica e a diminuição do Estado, enquanto provedor de benefícios sociais, levaram ao descrédito popular sobre as políticas macroeconômicas adotadas de forma generalizada pelos países latinoamericanos nos anos 90. Por outro lado, repercutiram na eleição de diversos governos de esquerda na região. No Brasil, o governo Lula foi buscar os espaços não ocupados, privilegiando as relações Sul-Sul e devolvendo ao Itamaraty parte de suas prerrogativas que haviam sido repassadas à área econômica.
A estagnação econômica e a diminuição do Estado, enquanto provedor de benefícios sociais, levaram ao descrédito popular sobre as políticas macroeconômicas adotadas de forma generalizada pelos países latinoamericanos nos anos 90. Por outro lado, repercutiram na eleição de diversos governos de esquerda na região. No Brasil, o governo Lula foi buscar os espaços não ocupados, privilegiando as relações Sul-Sul e devolvendo ao Itamaraty parte de suas prerrogativas que haviam sido repassadas à área econômica.
A agenda passou a privilegiar as desigualdades sociais, a fome e a necessidade de se construir um mundo mais justo. Aproximou o Brasil da África, com a construção de alianças de “geometria variável”, como o G-3 (Brasil, Índia e África do Sul) e o G-20, constituído por países que defendiam interesses agrícolas nas negociações na OMC. A política externa brasileira procurava associar desenvolvimento social e econômico com a segurança internacional. E mantinha no discurso diplomático a necessidade de reformar o Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Em sintonia com o contexto internacional pós 11/09, o Brasil, no âmbito do Atlântico Sul, atribui prioridade especial aos países da África Austral e aos de língua portuguesa, buscando aprofundar seus laços com esses países. A intensificação da cooperação e do comércio com países africanos também se insere na estratégia de consolidar o Atlântico Sul como região de sua influência.
Dos diversos acordos de cooperação firmados entre o Brasil e a África, destacam-se três áreas significativas, que se ajustam com o discurso do governo. A primeira, que já havia sido iniciada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, foi no combate à AIDS, um dos mais graves problemas de saúde pública vivenciado pelo continente africano. A segunda área é a da pesquisa agropecuária, com a instalação de um escritório da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias) em Gana. Também receberam recursos os programas de treinamento na área agrícola, com a capacitação profissional das instituições de pesquisa agropecuárias de Angola, Cabo Verde e Moçambique. Essa iniciativa ilustra um dos principais slogans do presidente Lula, tanto no nível doméstico como no exterior, o “combate à fome”. Por fim, a cooperação na área educacional inclui o programa de intercâmbio acadêmico nas áreas de graduação, pós-graduação e técnicos, em que jovens africanos estudam gratuitamente no Brasil. Envolve também a ajuda dada ao PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), através da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), com a cooperação técnica em programas de alfabetização. Mas a aproximação do Brasil com a África não se inseria apenas na lógica de angariar apoio à sua candidatura a membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, caso esse fosse reformado.
De acordo com dados do Banco Mundial, a África subsaariana cresceu entre 5 e 6% ao ano, em média, entre 2003 e 2007. Além de satisfatório controle sobre a inflação, a África adentrou o século XXI com melhores perspectivas de apaziguamento em seus conflitos internos. Tornava-se uma região atraente aos investimentos externos, principalmente na exploração de recursos minerais, como o petróleo e na construção de infraestrutura. Para o Brasil, significava oportunidade para a chegada de empresas nacionais e ampliação dos negócios àquelas que já lá se encontravam, como a Petrobrás e a Odebrecht.
Além da forte presença do Banco Mundial como fomentador de projetos, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) também destinou crescentes quantias às empresas brasileiras que se dirigiam ao continente africano.
A Petrobrás chega ao século XXI como uma das maiores empresas de produção de petróleo do mundo, com tecnologia para explorar em plataformas marítimas e em águas profundas, o que criou oportunidades para a atuação internacional da empresa, com destaque para os países africanos como Angola, Líbia, Nigéria e Tanzânia.
A presença internacional da Petrobrás, que além da África, também operava em outros continentes, exigiu que o Itamaraty se preparasse para atuar de forma mais direta na área energética. Os biocombustíveis, também presentes nos temas de aproximação entre Brasil e a África, exigiram que o Itamaraty passasse a ter uma área que concentrasse o tratamento institucional do assunto.
Como potência pacífica, o Brasil associava outros elementos de poder soft, como afinidades culturais com países africanos, com os quais buscava reforçar seus interesses no plano do Atlântico Sul, além de apoio em fóruns multilaterais, como na OMC e na ONU.
A realização da I Cúpula África-América do Sul, em 2006, na Nigéria, por iniciativa do governo brasileiro, teve como objetivo maior impulsionar a cooperação entre os dois continentes. Ao discursar na abertura do encontro, Lula afirmou que “O vasto mar que nos separa é, na realidade, um simples rio chamado Atlântico; hoje estamos construindo uma ponte sobre ele...”. Adiante em seu discurso, Lula ressalta que “o Conselho de Segurança responde a um sistema internacional que já não existe” e destaca a necessidade do órgão ser “mais democrático”, condição necessária para “adaptar a instituição aos novos desafios”.
As afinidades étnicas e a defesa de interesses comuns nos dois lados do Atlântico Sul, elementos importantes para a aproximação, ganham também dimensão estratégica, ao possibilitar que o Brasil fortaleça sua presença nessa área, ao mesmo tempo em que afasta potências externas. A defesa do Atlântico Sul como zona de paz, através da ZPCAS (Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul) e a proposta de santuário ecológico são exemplos que fortalecem a perspectiva brasileira.
Em 2007, representantes dos países membros da ZPCAS reuniram-se em Luanda, Angola, com o propósito de avançar na implementação da organização, que desde 1998 encontrava-se sob a presidência argentina, praticamente inoperante.
Para a política externa brasileira, a ZPCAS constituía-se como fator de apoio à sua projeção no Atlântico Sul. O Itamaraty, na ocasião, trabalhou ativamente para a aprovação de um plano de ação, que identificava áreas estratégicas para aprofundar a cooperação com os países africanos. O ambiente se apresentava favorável, uma vez que as relações entre os dois lados do Atlântico Sul se intensificaram desde o início do governo Lula. A ministra da Defesa de Cabo Verde, Cristina Fontes Lima, declarou no encontro que os países membros da organização deveriam se esforçar para manter a estabilidade na região, após anos de guerra civil.
Para Carlos Gustavo dos Anjos, ministro das Relações Exteriores, Cooperação e Comunidades de São Tomé e Príncipe, o Plano de Ação e a Declaração de Luanda são instrumentos que podem revitalizar a ZPCAS e contribuir para a cooperação em temas sensíveis para os países africanos, como o controle da pesca, a segurança e proteção dos recursos de modo geral e a luta contra doenças, como a malária e a AIDS.
As questões relacionadas à pobreza, ao meio-ambiente e aos direitos humanos não apenas ampliam a noção de segurança, mas também conferem sentido de comunidade e de universalidade aos interesses brasileiros no Atlântico Sul. Apoiam-se no coletivo e não no individual, no consenso e não na força.
Estas considerações são úteis no exame da dimensão da política exterior brasileira para o Atlântico Sul, pois permitem identificar quais são os fatores de mudança que, combinados com os da persistência, vêm presidindo os rumos diplomáticos do país.
Tanto o Itamaraty como as Forças Armadas “pensam” em função de interesses, de uma determinada visão de seu papel como burocracias permanentes, ou ainda, de conjunturas. O pensamento institucional brasileiro se articula, no marco ocidental, por uma combinação das forças nacionais hegemônicas, a tradição cultural e a geografia política. As opções do pensamento institucional estão permanentemente condicionadas ao jogo combinado de movimentos internos e mudanças internacionais. A ampliação das relações do Brasil com países e regiões fora do eixo tradicional da diplomacia, reforça a característica universalista da política externa brasileira.
Percebe-se o desenvolvimento de uma política externa do “Pragmatismo Solidário”, que combina elementos típicos do interesse nacional, projetado através de canais em que confluem interesses compartilhados com outros países, como verificado nos processos de integração e cooperação regional. Constitui-se no fortalecimento de valores e interesses comuns, “solidários”, notadamente no eixo Sul-Sul, tanto em aspectos culturais e históricos como econômicos e políticos.
Enfim, a atuação do Brasil no que tange a interesses no Atlântico Sul, caminha para a construção de uma área que extrapola o continente sul-americano e inclui a sua fronteira marítima, até a África. Como potência pacífica, ao menos na etapa de consolidação de sua hegemonia regional, pretende poder projetar crescentemente seus interesses no Atlântico Sul, que se configura como área estratégica para o Brasil no século XXI.
* Edson é Doutor em Ciências Sociais - área de concentração em Relações Internacionais - pela PUC-SP e professor do curso de R.I. do Centro Universitário Jorge Amado.
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